Todos os que querem estar unidos a Jesus Cristo sabem da importância de estar confessado para viver na graça de Deus e poder comungar sempre que se participa na Missa. Contudo, a Igreja sabe que nem todos podem sempre participar na Missa e comungar. É isto que está a acontecer agora por causa do Covid 19. Não é por isso que a graça de Deus está impossibilitada de ir ao encontro de cada um. Vale a pena, por isso, tentar perceber o que a Igreja diz sobre a comunhão espiritual, com a esperança de que isso possa ser de ajuda para manter viva a união de cada um com Cristo.
Distinção e relação entre comunhão sacramental e espiritual
A Tradição da Igreja diz que existem duas formas de receber o Corpo de Cristo: sacramentalmente e espiritualmente. Para distinguir estas duas formas de comungar devemos considerar o fim que se pretende com a comunhão. Não há dúvida de que a finalidade de alguém comungar é estar unido ao Corpo de Cristo, quer na sua realidade substancial, o Verbo incarnado, que permanece presente no Sacramento do Seu Corpo e Sangue, quer na sua realidade mística, que é a Igreja. A este efeito da comunhão sacramental realizada de modo perfeito podemos chamar, com São Tomás, comunhão espiritual.
Esta união ao Corpo de Cristo, contudo, não é automática, e requer a experiência de uma relação pessoal com Jesus Cristo traduzida numa vida fortemente unida a Ele e que ama os irmãos como Ele nos ama.
Sendo o pecado um acto por meio do qual, de modo mais ou menos consciente, a pessoa se afasta da vontade de Deus e rompe a amizade com Ele, quem se aproxima da comunhão sacramental em estado de pecado não alcança o efeito desejado, ou seja, não comunga espiritualmente.
É, então, possível comungar sacramentalmente sem que aconteça a comunhão espiritual, será, também, possível haver uma certa comunhão espiritual sem a sacramental? É isso que acontece quando alguém está impedido de comungar sacramentalmente, mas está espiritualmente unido a Jesus Cristo e à Igreja, que é o Seu Corpo Místico e deseja reforçar esta união.
Há, portanto, três formas de comungar: a primeira acontece quando uma pessoa comunga sacramentalmente e fica espiritualmente unida a Jesus Cristo; a segunda quando alguém comunga sacramentalmente mas, por causa do seu pecado, não usufrui do efeito que é a comunhão espiritual e a terceira quando não se pode comungar sacramentalmente mas, desejando vivamente comungar com Cristo é possível reforçar a comunhão espiritual.
Como comungar espiritualmente sem comunhão sacramental
Neste momento em que as pessoas estão impedidas de ir à Missa porque a Igreja, no seu juízo prudencial e seguindo indicações das autoridades de saúde, deixou temporariamente de celebrar Missas públicas, e, depois de estar claro que, apesar de não ser possível comungar sacramentalmente, há vantagens de, pelo menos, comungar espiritualmente para manter viva a união a Cristo e reforçar o desejo de, assim que for possível, comungar sacramentalmente, perguntamo-nos sobre o modo de comungar espiritualmente na ausência da comunhão sacramental.
A comunhão espiritual significa permanecer em Cristo
A comunhão espiritual é, antes de mais, viver em comunhão com Cristo o quotidiano. Por outras palavras, é permanecer unido a Ele e em tudo reconhecer esta unidade. É importantíssimo recordar que tudo tem a ver com Deus e que, como diz São Paulo, devemos fazer tudo para a Sua glória (I Cor 10,31). Para isso é fundamental manter aceso o desejo, que é como que um chamamento do Senhor para nos unirmos mais a Ele e O seguirmos em tudo. Nós desejamos e Deus deseja esta unidade.
A comunhão espiritual é também uma forma de ter mais forte o amor pela Igreja, Corpo místico de Cristo, e rezar pelo Papa, pelos Bispos, pelos sacerdotes, por todos os consagrados, pelas famílias, por cada um, recordando especialmente os que sofrem.
Como potenciar a Comunhão espiritual através da Internet ou Televisão
A comunhão espiritual em sentido lato é este viver unido a Jesus Cristo, mas também se usa a expressão num sentido mais específico para indicar um momento de oração especial com o qual se realiza um ato de comunhão explicito.
Antes, porém, de olhar para o que deverão ser os elementos de um ato de comunhão espiritual, em sentido estrito, vale a pena perguntar se os meios tecnológicos por meio dos quais se pode assistir a uma Missa ou a outro ato de piedade podem ajudar.
Sabemos que, onde há sacerdotes, há celebrações eucarísticas e isso tem neste momento um efeito certamente decisivo para a salvação dos homens. Em qualquer Missa, mesmo quando não é pública, Jesus está presente e visível sacramentalmente no nosso mundo, e essa presença nunca é irrelevante. A questão é saber como manter a relação com estas Missas de uma forma que traga eficácia na nossa relação com Jesus Cristo.
Os homens têm corpo e alma e a relação com Jesus Cristo envolve a pessoa inteira. Precisamente por isso a comunhão sacramental é tão importante já que envolve o corpo e a alma, ou seja, a pessoa inteira na relação com Jesus, que na hóstia consagrada está também presente em Pessoa, no Seu corpo, alma e divindade. É importante, por isso, tudo o que corporalmente ajudar a estreitar esta relação.
Não podendo comungar a hóstia consagrada na qual está substancialmente presente o Corpo de Jesus Cristo, há dois aspectos da Incarnação que que se podem manter e até reforçar nestes tempos. Por um lado, a vista: o Verbo de Deus, ao incarnar, tornou-se visível, e sempre que o vemos com devoção a nossa fé é reforçada. Se os meios tecnológicos nos permitem ver o Corpo de Cristo, devemos aproveitar
Por outro lado, porque Jesus ressuscitou depois de ter dado a vida por nós, Ele permanece contemporâneo a cada momento da história até ao fim dos tempos. Os meios tecnológicos actuais também ajudam porque, além de poderem manter na memória algo que se passou e que pode ser retomado, conseguem transmitir em directo o que se passa na capela ou na Igreja e assim podemos estar ligados através da vista e do tempo.
Há, pois, um valor acrescido quando rezamos ao mesmo tempo e nos podemos ver, mesmo que cada um esteja em sua casa.
Elementos para um ato de “comunhão espiritual”
A comunhão espiritual em sentido estrito é um gesto em vista do reforço da comunhão espiritual no seu sentido mais amplo. Tendo, então presente quanto dissemos, vejamos alguns elementos do que poderá ser conveniente incluir nesse momento de oração.
Este gesto deve seguir o rito da Eucaristia, que é em si a grande forma de termos neste mundo a presença Deus e de estarmos em comunhão com Ele.
Em primeiro lugar, deve incluir, portanto, um acto de contrição. Recordar humildemente diante do amor de Deus que somos pecadores, arrependidos e necessitados da graça de Deus, coloca-nos nas mãos da misericórdia divina.
Num segundo momento, devemos escutar a Palavra de Deus. Tendo como certo que, precisamos de ter a fé bem viva para estarmos em comunhão com Cristo, é muito útil alimentá-la com a leitura e a meditação da Palavra de Deus.
Por fim, a pessoa faz aquilo que se chama em sentido estrito um acto de comunhão espiritual. Trata-se de uma oração pessoal, cujo valor está sobretudo no modo como o coração de cada um se coloca diante de Deus e como a razão se dá conta da necessidade que a pessoa e o mundo têm de Deus e de ser salvos.
Tudo isto pode acontecer quando se está a assistir à Missa pela televisão ou pela internet: pode-se rezar o ato penitencial, escutar a Palavra de Deus e acompanhar a consagração e, no momento em que o sacerdote comunga, fazer o ato de comunhão espiritual interiormente.
Esta oração deverá, por um lado, afirmar a fé na presença de Jesus, confirmando a confiança e o amor a Jesus Cristo, e, por outro lado, expressar o compromisso de procurar viver segundo a Sua vontade. Não se deve esquecer o elemento específico desta oração de comunhão espiritual que é avivar o desejo de comungar plenamente com Jesus Cristo assim que for possível.
A Tradição da Igreja propõe algumas orações possíveis, que se podem encontrar em diversos livros. Santo Afonso sugere: “Meu Jesus, acredito que estais no Santíssimo Sacramento. Eu Vos amo acima de tudo e desejo-Vos na minha alma. Já que, neste momento, não Vos posso receber sacramentalmente, chegai, pelo menos espiritualmente, ao meu coração. Como já noutros momentos aconteceu, abraço-vos e junto-me totalmente a Vós. Não permitais que alguma vez eu me separe de Vós.”1
No dia de São José, o Papa Francisco, no fim da Missa que celebrou na Casa de Santa Marta, convidou os que o seguiam pela televisão a rezarem em vista da comunhão espiritual esta oração: “Aos vossos pés, ó meu Jesus, me prostro e vos ofereço o arrependimento do meu coração contrito que mergulha no vosso e na Vossa santa presença. Eu vos adoro no Sacramento do vosso amor, desejo receber-vos na pobre morada que meu coração vos oferece. À espera da felicidade da comunhão sacramental, quero possuir-vos em Espírito. Vinde a mim, ó meu Jesus, que eu venha a vós. Que o vosso amor possa inflamar todo o meu ser, para a vida e para a morte. Creio em vós, espero em vós. Eu vos amo. Assim seja.”
Cada um pode usar ou compor uma oração que lhe agrada, desde que mantenha claro o essencial do desejo de comunhão, porque, mais do que as palavras serem estas ou aquelas, a intenção e a atenção ao que se está a fazer é o mais importante.
Esta ou outra oração poderá ser rezada depois de assistir à Missa na televisão ou a um dado momento do dia quando a pessoa se recolhe e traz à memória a presença sacramental de Jesus com o desejo de estar unido a Ele e de comungar sacramentalmente assim que for possível. Que se recorde de fazer um ato de contrição, de ler a Palavra de Deus para rezar de modo frutuoso o ato de comunhão espiritual.
1 Sto. Afonso Maria de Liguori, Visita ao Santíssimo Sacramento e a Maria Santíssima, “Comunhão Espiritual”.
Pe. Duarte da Cunha